Crônica: O nike azul e o carro não comprado

Compartilhe esta notícia:

Por: Sérgio Sant’Anna*

Sexta-feira é o último dia da semana para o professor, talvez não, pois há sempre um sábado letivo pelo caminho, porém para este que escreve esta análise do cotidiano trata-se de um dia cheio. Três colégios. Onze aulas aglomerando-se o período matutino e vespertino. Alunos que lutam pelo conhecimento e dele farão uso, outros nem tanto; há aqueles que vieram à passeio, todavia há sempre o momento para resgatá-los. Insistimos, lutamos, contudo se a família não ajudar, não teremos como contribuir…a situação é complexa, entretanto a esperança e a dedicação são maiores.

E  ao longo destas idas e vindas, salas de docentes, bibliotecas etc., há sempre aqueles que são “espírito de porco”, ou seja, que se dizem colegas, porém atuam de uma maneira grosseira, desagradável, simplesmente não sei dizer o porquê… compactuam com a maldade. São maus sim. E foi um desses que chegou até mim durante uma tarde toda de aula, eu me dedicando aos alunos dentro do silêncio de uma biblioteca para mais uma aula de Redação e o docente ali fincou o seu fel.

Num primeiro momento achei que logo se deslocaria, pois precisei que estavas com aula, todavia insistiu em permanecer no local e conversar com alguns dos discentes que ali estavam. Impactando negativamente com o trabalho que eu ali realizara. Não reclamei, insisti na atenção pelos discentes, mas a inconveniência docente permanecia. Fazia de propósito. Parecia querer me irritar. De fato, não conseguiria. Sua inteligência  limitara-se a poucos vocábulos, alguns movimentos bruscos e a chatice que negativa quaisquer ambientes. Mas, eu não seria infectado.

Uma frase deixou-me chateado: “Nossa, professor, com um tênis Nike e não tem um carro…”. Realmente vi, que aquele ser não me conhecia, tão pouco minha história, minha experiência docente ao longo desses 26 anos. Prestando meus serviços a três Estados e com uma conduta ilibada. Sem máculas. Sempre procurando pelos mestres do passado e amigos queridos que sempre me espelhei… Aquela frase sem proporções, apenas com a insensatez e a inveja disseminada pelo fel das palavras. Um ser aculturado, disfarçado com as armas da educação. É o lobo com pele de cordeiro. Lembrei-me de uma charge, que trabalhei com os alunos em uma aula de Redação pelos cursinhos e colégios de Porto Alegre, cuja imagem apresentava um coletor de material reciclado pelas ruas com o seu carrinho e portando um celular. E a indagação por onde ele passava era a seguinte: “Como pode este morador de rua, catador de papelão, andar com o celular e não ter uma casa para morar?”. Triste e rasa observação. Dotada do mesmo preconceito lançado pelo docente que me interrompera.

O carro talvez seja uma necessidade, porém durante muitos anos soube conviver sem o mesmo, e a esta pessoa nunca necessitei “caronar”. Já o tive, com ele já me acidentei e a outros prejudiquei, até que me acidentei gravemente, mas esta é uma outra crônica… este não serve a mim e eu não sirvo a ele… O triste desses juízos de valores é que são lançados e disseminados com a autoridade daqueles que pouco ou quase nada moralmente possuem… infelizes colocações, ínfimos juízos.

Não retruquei, engoli e sabia que no próximo contato com o papel transformaria em crônica. Um tênis nike azul, a indolência docente, o carro não comprado e a vida que segue…

*Sérgio Sant’Anna é Professor de Redação no Poliedro, Professor de Literatura no Colégio Adventista e Professor de Língua Portuguesa no Anglo.

**Os artigos publicados com assinatura não manifestam a opinião de O Defensor. A publicação corresponde ao propósito de estimular o debate dos problemas municipais, estaduais, nacionais e mundiais e de refletir as distintas tendências do pensamento contemporâneo.

Compartilhe esta notícia: